O DOMÍNIO DOS ELEMENTOS NA MAGIA EGÍPCIA.

Não abordaremos neste capítulo o domínio da terra, por causa de uma chamada de

atenção do meu anfitrião de Luxor. “A terra”, disse-me ele, “pertence às serpentes

e aos escorpiões. É a nossa mãe, mas é uma mãe exigente, perigosa. O mago não

é um ingênuo. Para conhecer os tesouros da terra, devemos em primeiro lugar

conquistar a amizade daqueles que os defendem. Mas isso é impossível para quem

não seja um homem de água, de ar e de fogo”.

Estranhas palavras que, no entanto, não teriam surpreendido um egípcio do  Império Antigo, habituado a viver em harmonia com os elementos. Não os via com olhos insensibilizados. Sabia que eles detinham uma parte do segredo da sua própria vida.

A água e a barca…

Todas as águas vêm do Nun, oceano primordial que cerca o mundo. Em cada noite, o sol entra de novo no Nun, regenera-se e sai dele purificado e  renovado em cada manhã. Os lagos sagrados dos templos contêm precisamente  essa água primordial na qual os sacerdotes se purificam.

Os Textos das Pirâmides fornecem uma fórmula mágica para obter o  domínio da água.{101}  Diz-se que o Nilo celeste está à disposição do mago que se  identifica com o grande Deus cujo nome não é conhecido dos espíritos das ondas.  Ele pronuncia estas palavras: “Ó Hapi, príncipe do céu, refresca-me o coração graças à tua água corrente! Faz com que eu tenha poder sobre a água… Dá-me a  água que existia antes dos deuses, uma vez que vim à existência no primeiro dia”.{102}

SEGUNDO LIVRO DAS RESPIRAÇÕES.

“Ó Hapi, príncipe do céu (2), (volta) teu rosto para mim, não te afastes de mim (3)!                         

Eu sou o bai* (4) dos deuses antigos, vem a mim, tu que és a água que se renova a cada dia; refresca meu coração com tua água corrente (5)!                                                                                             

Concede-me que eu possa ter poder sobre a água como Sekhmet.

Concede-me que eu possa envelhecer no Duat * (6) como Osíris  em Tebas!                                                                         

Meu trono é Heliópolis, meu assento  é a Muralha Branca*, minha morada é Unul* e Bahu*, meu lugar é cada um dos nomos que estão sob meu comando.                                                             

Dá-me a água que existia antes dos deuses, desde que eu surgi no primeiro dia.                                         

Eu sou o Sul, eu sou o Norte, eu sou o Leste, eu sou o Oeste:    existe alguém comparável a mim se não tu?                                                Hapy, o Ancião, dá-me a brisa suave que vem de ti!                             

Eu sou aquele que ocupa o lugar no centro de Hermópolis.               

Se você é vigoroso, eu sou vigoroso, e vice-versa.”

NOTAS :
1. Este título, emprestado do capítulo 62 do Livro dos Mortos, é encontrado apenas no Louvre N 3279.
2. Esta palavra está ausente no Louvre N 3279, que diz “pai dos deuses”; compare a fórmula no capítulo 57 do Livro dos Mortos, P. BARGUET, Livro dos Mortos, p. 92. Hapy é o princípio da água, o Dilúvio personificado. 3. Omitido no Louvre N 3279 e E 3865.
4. Cairo 58023, var.: o filho, possivelmente uma leitura errônea.

5. Omitido no Louvre E 3865.
6. Apenas no Louvre N 3279.

7. Lit.: •a primeira vez•.

8. Omitido no Louvre N 3279. Sobre esta frase e a ordem dos pontos cardeais, cf. G. Posener, Nachrichten Göttingen, 1965/2,
69-78.

9. Compare o cap. 59 do L dM; cf. P. Barguet, Livre des Morts, p. 93.
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Se você está vivo, eu estou vivo, e vice-versa. (1)

Dê-me água, ar para respirar, seu frescor que vem de você!

Feliz o Ancião, que eu possa beber até me saciar da água de sua corrente!

Eu sou aquele que cresce e diminui como Feliz o Ancião, e eu o disponho segundo a minha vontade.

Conceda-me que eu possa ter estas suas águas, frescas e abundantes,na forma de uma agradável libação.

Eu sou o Mestre do Universo, eu sou Atum, eu sou Khepri, eu sou o filho primogênito de Rá!

Eu sou o venerável Íbis, eu sou Hapy, o primeiro filho de Osíris, eu emergi de Nun ao mesmo tempo que Rá.

Eu sou aquele que eleva o céu com Ptah, eu sou aquele que ascende  à abóbada celestial, caminhando sobre a terra; depois de
mergulhar em Nun, eu emerjo a bordo da barca de Rá*, quando,

Sekhmet tendo-me carregado em seu ventre, Nut me dá à luz. (5)

Eu sou Thoth que completa o olho de Wedjat*, eu sou o íbis
nascido de Ptah. (6)

O céu se abriu para mim, (7) a terra se abriu para mim.

Eu tenho o uso do meu coração, o uso das vísceras do meu coração, o uso de”

NOTAS :
1. Somente no Louvre N 3148; o Louvre N 3279 omite todo o
final desta oração.

2. Somente o Louvre N 3279.

3. Lit. • aquele que se levanta e se senta •, termo usado no antigo egípcio
para definir comportamento habitual.

4. Louvre N 3279, variante: o primeiro filho (s:); compare com o cap. 63
do L dM, P. BARGUET, Livro dos Mortos, p. 95) onde a
versão antiga diz: • Eu sou Baba, o primeiro filho de Osíris.

5. O papista de Berlim retoma aqui o texto comum após ter omitido
tudo o que o precede, daí a variante: Eu saio de dia, quando, Sekhmet…
6. Berlim e Louvre N 3279, variante: originário do Castelo do ka •-de Ptah •.

7. Ou ainda: Eu abri o céu… •; essas frases pertencem
a uma adaptação do cap. 68 do L dM (P. BARGUET, Livro dos Mortos, p. 107) que está faltando no Louvre N 3279.

 


 

Para estar certo de o conseguir, o mágico transforma-se ele mesmo em  Deus do Nilo, senhor das águas que permite o crescimento da vegetação. Eis a razão que leva o seu poder mágico a subsistir no Céu e na Terra.{103}

O mago banha-se com Rê nas extensões de água celestes. Está cercado por  Órion, Sothis e a estrela da manhã. Eles colocam-no nos braços da sua mãe Nut, o Céu. Desse modo escapa ao furor dos danados que caminham de cabeça para baixo.{104}

Água purificadora, água onde se banham, mas também água que serve de suporte aos deslocamentos no Cosmo. Segundo a mais antiga religião, o faraó   sobre flutuadores de junco nos espaços celestes. Cada mago, na seqüência  do faraó, deseja “subir ao céu, embarcar na barca de Rê e tornar-se um deus vivo”.{105} O mago pode utilizar um vaso para ver essa barca do sol. Pede à mãe dos deuses que lhe abra o céu, onde ele verá os navios divinos subirem e  descerem.{106}

Pronunciam-se fórmulas mágicas sobre uma barca de Rê pintada de branco,colocada num lugar puro.{107}

Diante dela, a imagem do bem-aventurado. O mago desenha uma barca da noite à sua direita e uma barca do dia à sua esquerda. O capítulo 133 do Livro dos Mortos fornece uma explicação pormenorizada: “Palavras a dizer sobre uma barca de quatro côvados de comprimento pintada com pó (?) verde, tendo sobre ela a assembléia divina dos nomes, faz-se um céu estrelado, purificado com natrão e resina de terebintina. Traça-se então uma imagem de Rê  em branco sobre uma tigela nova que será posta na proa da referida barca e coloca-se nessa mesma barca a imagem desse bem-aventurado que se pretende glorificar: assim se lhe permite viajar na barca de Rê”.

O mago que obtém poder sobre a água celeste torna-se o remo de Rê, que não se molha em líquido nem é queimado pelo fogo.{108}                                                                        Identificando-se com esse  remo, o mago fica certo de poder “conduzir a sua barca” sem hesitações. Quando é obrigado a nadar, é confrontado com a água de uma maneira mais direta e mais  arriscada. Existe uma técnica apropriada: para proteger o nadador e o livrar de todo perigo, saúda-se um babuíno de sete côvados, de olhos de electro e lábios de fogo, nos quais cada palavra proferida é uma chama.{109}

O corpo contém água, indispensável à vida. Beber é um ato sagrado. O mago dispõe da água que vem de Elefantina e do próprio Nun. E capaz de se identificar com o pai dos deuses.{110} Existe um capítulo de “beber a água no reino dos mortos” que contém este apelo: “Vem a mim, em cada dia, tu que és a água do rejuvenescimento! Possas tu refrescar-me o coração com a água fresca da tua  corrente! Possas tu conceder que eu tenha poder sobre a água como a Poderosa!”.

Esta água prodigiosa será oferecida ao mago cujo espírito se situou na origem dos tempos.{111}

“A água fresca” é um dos nomes do mago rejuvenescido que conhece a

alegria de viver, de se mover segundo a sua vontade, de ser protegido, de aparecer

em glória. Nut, a deusa do céu, e Néftis, a patrona do templo, vem até ele para

trazer o Olho de Hórus, a medida de todas as coisas.{112} O iniciado saúda Rê.{113}

Pede ao deus que lhe traga o leite de Ísis, a ondulação de Néftis, o desbordamento

do mar, a vida, a prosperidade, a saúde, a felicidade, o pão, a cerveja, o vestuário,

a alimentação: todo o conjunto de formas líquidas que proporcionam uma

verdadeira beatitude. Ele deseja ver Rê quando ele sai como Thot, quando um

caminho de água está preparado para a barca do sol.

O mago identifica-se com Osíris. Ora, Osíris fez uma longa viagem — em

estado de cadáver — sobre as águas. O Olho de Hórus está junto dele quando ele

flutua. O escaravelho Kheper plana por cima dele.

Ao mago compete proteger o Deus dos seres nocivos escondidos nas águas. Ele deve obter a ajuda dos deuses presentes nas suas barcas.{114}

De resto, existe uma fórmula para franquear as águas repletas de gênios malignos: “Osíris está sobre a água, o Olho de Hórus esta com ele. O grande escaravelho estende-se sobre ele. Não levantem os vossos olhos, habitantes das águas, para que Osíris possa passar por cima de vós”.{115}

O Faraó verte água diante de uma das formas do deus-sol. Esta “água” é energia polarizada (a onda dupla), necessária para alimentar a bola de fogo que se materializa pelo disco solar e de onde sairá o fluido criador. (Túmulo de Ramsés IX)

O Nilo abriga seres estranhos e malfazejos que espr

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